Esperança é vício? Da mesma forma que os vícios, existem
sentimentos e tradições difíceis de abandonar. Desejar que o ano novo seja
melhor que o ano morto é viciante. É como tentar parar de beber e não
conseguir. Ou largar outras drogas, pelo que já acompanhei famosos e anônimos
tentarem. Jamais consegui parar de beber, ainda mais nesse período do ano, com
tantos brindes de boas festas. Espero, no entanto, ter me afastado para
sempre dos excessos. Fico reconfortado em concluir que, por mais que vicie,
esperança está longe de ser um mau hábito. Faz algum tempo que escrevo uma
mensagem de novas perspectivas todo fim de ano, mesmo que o horizonte não
esteja muito claro para o próximo período. O uso do cachimbo deixa a boca
torta, como dizem os mais antigos. Desejo, de todo coração, que todos nos
libertemos dos hábitos compulsivos, ruins. Por outro lado, um “vício” que não
quero que ninguém deixe para trás é a esperança.
Show da banda Madre Negra no Festival Doomsday
do Coletivo Lobeira, em Luziânia-GO. CLIQUE AQUI PARA VER MAIS FOTOS DO EVENTO. |
Penso que desejar dias melhores é uma necessidade da alma humana, essa
coisa etérea que jamais pude entender. Se por um lado me pego negando a
existência de deus, por outro lado me surpreendo acreditando na utopia de uma
alma humana mais solidária. Quem diagnosticou esperança como um “vício” da alma
dos sonhadores foi a banda Madre Negra, brindando os fãs no final de 2012 com o
clipe da música "Todo sonhador é viciado em esperança". A banda
a que me refiro surgiu no final de 2011, no bairro do Jardim Ingá, distrito de
Luziânia, município goiano que faz parte da região do Entorno do Distrito
Federal. Na edição impressa do Zine Oficial número 40, de outubro de 2012, já
foi dito que é impossível dissociar a banda Madre Negra da extinta banda Sem
Destino, dona de uma história ímpar no cenário roqueiro do DF e Entorno. O
letrista e vocalista de ambas são a mesma pessoa: Marcelo Marcelino.
Na canção “Todo sonhador é viciado em esperança”, Marcelo Marcelino
canta sobre mazelas causadas pela corrupção, não só dos poderosos, mas também
da corrupção encravada culturalmente na alma do povo, versando: “Existem
aqueles que roubam migalhas, existem ladrões que roubam milhões, mas vendo de
perto são todos iguais...”.
A capital brasileira, antes de ser conhecida como a Capital do Rock,
ganhou o título de Capital da Esperança. No final dos anos 1950, gente de todo
o País se deslocou para o Planalto Central, alimentando sonhos de dias
melhores. Nem todos se deram bem. Além das fronteiras do Distrito Federal,
muitas cidades incharam, outras nasceram. Em plena virada de 2012 para 2013,
vemos que a esperança ainda atrai muita gente, de cidades distantes, ou das
cidades mais próximas. Uma parte dessa gente se dirige à capital em diferentes
períodos do ano, para se estabelecer em determinadas profissões ou seguir
carreira pública; outra parte, sem mais opção, se desloca especialmente na
época de Natal, a fim de conseguir presentes para alegrar o início do ano que
se aproxima. Cada um tem o sonho do tamanho que pode carregar. A cada dezembro,
andando pelas ruas de Brasília, é fácil notar que a polícia fica atenta ao que
se carrega por aí, pois teme que as “hordas invasoras” sejam tentadas a roubar
dos mais abastados. Foi em uma de minhas andanças pela cidade, vendo revistas a
infratores que moram nas ruas, que me peguei cantarolando uma música de uma
banda do Entorno, região que sofre muito com o impacto populacional causado
pela especulação imobiliária no Distrito Federal: “... Existem aqueles que
roubam migalhas, existem ladrões que roubam milhões...”. A polícia, fazendo seu
trabalho de maneira correta, deixa turistas e moradores mais tranquilos durante
as festas de fim de ano na iluminada Brasília, o que é bom. Infelizmente,
dentro dos palácios a força policial não tem jurisdição para inspecionar o que
se carrega, ou o que se rouba. Muitos poderosos representantes do povo
nada fazem para ampliar as esperanças dos eleitores, relegando à população
sonhos modestos, ou mesmo a ideia de “se dar bem”, a exemplo dos que usam o
poder em proveito próprio.
O Congresso Nacional é conhecido como
"A Casa do Povo". Em 2009 o jornal Correio
Braziliense publicou reportagem revelando
que perto do bonito conjunto arquitetônico,
viviam catadores de papel em barracos de
plástico preto. LINK COM REPORTAGEM.
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A canção “Todo sonhador é viciado em esperança”, enxerga uma disparidade
que poucos brasileiros de outros estados sabem existir em plena Capital
Federal. Em determinado trecho da música, a letra fuzila: “Já foi à Brasília?
Conhece o Palácio? Depois do Palácio existe um lixão, depois do lixão tudo vira
favela, depois da favela somos todos iguais...” Não se trata de licença poética
para falar dos lixões Brasil afora. Barracos de catadores de papel instalados próximos à Praça dos Três poderes até pouco tempo eram prova ocular de que os
políticos precisam ampliar sua visão e olhar mais para o povo, que trabalha e
mantém sua esperança, mas não pode, sozinho, corrigir séculos de má
distribuição de renda. Não adianta falar que a culpa é do governo, muitas vezes engessado. Fico triste ao lembrar de parlamentares contra
programas sociais de geração de emprego e renda, barganhando votos e desviando fortunas para os próprios bolsos. Ao divagar sobre os barracos próximos ao
poder, bato palmas para a visão humanista da banda Madre Negra. O problema não
está somente nos que roubam milhões, mas nos que aceitam corromper-se por
migalhas, elegendo egoístas engravatados. Digo que não sei para onde removeram
os catadores de papel que se instalaram próximo à Praça dos Três Poderes, mas
concluo que para haver justiça social no Brasil é preciso, urgentemente,
remover para sempre certas ratazanas do Congresso Nacional.
Sem nos alienarmos da política, voltemos a falar sobre rock na Capital Federal e seus arredores. Tenho esperança de dias melhores para as bandas da cena local, com eventos que atraiam e satisfaçam o público. Lembrando que existem inúmeras
bandas de alto nível, não posso deixar de afirmar que a Madre Negra foi uma
das maiores surpresas que tive o prazer de ouvir em 2012. Desejo sucesso à
banda, que tem potencial e experiência para superar-se cada vez mais. Além da
habilidade em abordar sem demagogia temas relevantes, Marcelo Marcelino traduz,
para quem acompanha o rock local, a esperança de que artistas das cidades do DF
e Entorno sejam mais valorizados e reconhecidos no chamado Rock Brasília, pois
a cena é a mesma. O baixista Nicko, o baterista Leandro e o guitarrista Devan
conseguem elevar ainda mais as mensagens das letras de Marcelo, com arranjos
que chamam a atenção dos ouvintes, como testemunhei durante uma apresentação no
Rock Cerrado do Gama, DF. Essa combinação de talentos pode recolocar a cidade
de Luziânia, GO, na rota do rock alternativo brasileiro, a exemplo do que
fez a banda Sem Destino, quando se apresentou no Rock in Rio de 2001.
Falando de forma mais ampla, em nome do Zine Oficial, desejo um 2013 de
muitas conquistas para o público, para as bandas e para os produtores que fazem
o rock que rola no DF e Entorno. Registando um pouco dessa cena, no ano que se
encerra tivemos três edições impressas do Zine Oficial, com resenhas das bandas
Rota 66, Lis Negra, Totem, Kábula, Elffus, Isolate e Eletronic Dust; Considered
Dead, Under The Ruins, Subterror, Hidden in Flesh, Defy (SP), Coral de
Espíritos, Scania e Anthares (SP); RA II, Cálida Essência, Madre Negra, Death
Slam, Bruto, ARD e Lúpulo e Cereais Não Maltados. Apesar de todas as
dificuldades, continuaremos publicando edições impressas ao longo dos próximos
anos. Sejamos todos cada vez mais sonhadores e viciados em esperança. Mas,
sobretudo, cada vez mais empenhados no velho lema “faça você mesmo”.
(Tomaz André, Zine Oficial. Mais de 120.000 exemplares impressos, somadas as 40 edições publicadas de 2006 a 2012. O site www.zineoficial.com.br mantém agenda de shows sempre atualizada).
(Tomaz André, Zine Oficial. Mais de 120.000 exemplares impressos, somadas as 40 edições publicadas de 2006 a 2012. O site www.zineoficial.com.br mantém agenda de shows sempre atualizada).
O clipe da música “Todo sonhador é viciado em esperança”,
da banda Madre
Negra, citada no texto acima pode ser conferido no link: http://www.youtube.com/watch?v=OpUsiYuWwvo
Só uma correção Tomaz, a foto desse show na verdade é no Festival Doomsday do Coletivo Lobeira,valew!
ResponderExcluirObrigado pela observação, Lio! A legenda da foto foi corrigida! Abraços, irmão!
ResponderExcluirQue venha 2013!!!
ResponderExcluir... E 2013 já vai começar agitado no Entorno Sul, com o Grito Rock no Jardim Ingá... Já tô sabendo dos seus corres, Gril! Vou deixar aqui o link para quem quiser saber mais detalhes do Grito Rock Jardim Ingá 2013: acessem http://www.facebook.com/photo.php?fbid=3606302815341&set=a.1612312526830.67816.1806785603&type=1&theater
ResponderExcluirah valew Thomaz!!!! Conto com a sua presença aqui!!! o/
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