segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Um punk com meio século!

Segundo profecia de Dom Bosco, Brasília surgiria como a Terra Prometida, de onde jorraria "leite e mel". Muitos dos que fizeram história na cidade continuam acreditando no sonho que cai do céu. Outros atingiram suas metas, correndo atrás. Para uma boa parcela da população, nem uma coisa nem outra. O tempo passou e a vida continua a ser um desafio diário. O maior triunfo é nunca baixar a guarda.

Brasília completou 50 anos em 2010. Bosco (não o santo Dom Bosco) completa 50 anos em 2011. O punk mais velho do Centro-Oeste atravessou os limites do Distrito Federal e hoje é morador de Valparaíso, cidade goiana do Entorno Sul de Brasília. Se para o "punk véi" não chegou o tempo de "lei e mel", pouco importa. O cuspe continua na boca! O guitarrista, que também é um dos principais letristas da lendária banda Detrito Federal (por vezes ainda baixista e vocalista), prova que o rock e a postura honesta também fortalecem.

Zine Oficial - Olá, Bosco. O dia 11 de agosto de 2011 marca seus 50 anos de idade, certo? Talvez seja o punk mais velho de todo o Centro-Oeste, considerando que alguns contemporâneos do seu início no movimento saíram de cena, por um motivo ou outro. Fale sobre o começo de sua militância: o que te levou a ser punk, quem te influenciou, musicalmente e ideologicamente, e quem eram as pessoas que andavam contigo naquela época?

BoscoTomaz, eu já te falei que quando tinha 8 ou 9 anos queria ser padre? Vivia rezando escondido! Meu pai ficava puto, mas minha mãe dava a maior força. Só que eu não gostava de ir à igreja, ficava puto... Depois chegou a adolescência... Punheta pra lá, punheta pra cá, meninas... Padre porra nenhuma! Decidi ser jogador de futebol! Mas aí, velho, aos 11 anos conheci o rock com Alice Cooper e virei roqueiro! Isso tudo rolou no Cruzeiro Novo.

Zine Oficial - Antes de você mudar-se para o Valparaíso, em Goiás, né? Pouca gente atualmente sabe que você morou no Cruzeiro, DF.

Bosco - Você sabe que lá no Cruzeiro só dava carioca e samba! Porém aos 14 anos conheci uns blacks que dançavam pra caralho e me enturmei com os caras, só queria saber de dançar soul e pichar “black power, black paz, white guerra, black soul”. Fiquei nessa uns 3 anos. Depois veio a nova onda da discoteca e acabaram os bailes de soul. Comecei então a andar de skate, isso já em 1978. Voltei a escutar rock novamente, só que em outra linha: Ramones, Ultravox... Foi quando ouvi pela primeira vez a palavra “punk”, que só levei a sério mesmo em 1982. O resto você sabe!


Zine Oficial - Vi o primeiro show da Detrito Federal em 1984, no Concerto Canta Gavião, quadra 403 do Cruzeiro Novo. Mas quais as suas primeiras experiências em bandas?

BoscoA primeira experiência em banda foi o Detrito Federal mesmo...

Zine Oficial – “Eu ainda uso coturno” é uma letra sua, da qual você falou com entusiasmo durante uma entrevista para a edição impressa do Zine Oficial número 24, quando você tinha 48 anos de idade, e se preparava pra o lançamento do 3º disco da Detrito Federal. Naquela ocasião, você fez a seguinte declaração: - "Eu Ainda Uso Coturno" reafirma a postura punk do Detrito Federal, do jeito que eu sempre defendi. A letra da música título é baseada na minha história: "Podem falar mal, podem reclamar, podem até dizer que eu não sei tocar, que muitos subiram e eu permaneci, eu continuo por aqui, Já me falaram de novos tempos, novos estilos, novos movimentos, mas eu não me iludo, eu não mudo, eu ainda uso coturno..." Lembra-se disso? Alguma coisa a acrescentar após dois anos dessa resposta?

Bosco - Ainda uso coturno, sim, não mudou nada! Mas em relação ao CD tem coisa nova. Lembra daquela musica KAOS, do BSB-H?!

Zine Oficial – Sim, claro!

Bosco - Pois é! Vamos relançar, mas com outra introdução, se liga! Vai ser um trecho de EDUARDO E MÔNICA, da Legião! Escuta a versão que fiz: “Eduardo e Mônica foram assaltados no Parque da Cidade / Levaram o camelo do Eduardo, até sua carteira de identidade / Do outro lado a Mônica estuprada, com requintes de crueldade / E quem um dia irá dizer... KAOOOSSS?????? / “. Aí a gente começa a cantar a música do BSB-H...

Zine Oficial – Há! Há! Há! Há! Há! As perguntas abaixo também foram dirigidas ao seu companheiro de banda, Podrão, em 2009. A entrevista foi originalmente publicada no Zine Oficial impresso número 24, com cobertura do 10º Rock Cerrado do Gama, evento no qual a Detrito Federal se apresentou. Seguem abaixo somente suas respostas, para fazermos uma análise maior, beleza?


BoscoOK.


A capa do disco Vítimas do Milagre, lançado em
vinil em 1987, tem uma das estampas mais conhecidas
do punk rock nacional. A ilustração de um punk usando
a cúpula da Câmara dos Deputados como vaso sanitário
e um rato sobre o Senado Federal foi traçada por
Natinho, da Kingdom Comics. A idéia foi de Bosco.
 Zine Oficial impresso número 24, dezembro de 2009 - Porque acham que o Detrito Federal não teve o mesmo holofote de bandas como Plebe Rude, Legião Urbana e Capital Inicial, que tiverem suas origens no movimento punk brasiliense?

Bosco, em 2009 - O Detrito Federal teve uma época de holofotes sim, fechou contrato e lançou LP por uma grande gravadora, participou de programas na televisão em rede nacional, embora não fosse com a formação nem a proposta original nossa. Para mim, o importante no início do Detrito Federal era a postura rebelde. O Cascão tocava bateria só na caixa e no chimbal, acho que começou a usar pedal só na gravação do LP Rumores . A voz do Podrão era cavernosa e a Mila tocava baixo com uma corda só, no início isso chamou a atenção da mídia, mas queriam lapidar a banda. O movimento punk do DF tinha começado no Lago Sul e Norte. Acho que fomos a primeira banda punk com gente da periferia de Brasília. Apenas o Podrão morava no Plano Piloto, na Asa Sul. Eu era do Cruzeiro, o Cascão era de Taguatinga e a Mila do Guará. A minha idéia, em particular, era consolidar o movimento punk como forma de postura social, contra o regime militar, sem muitas preocupações técnicas. O Cascão, talvez por trabalhar no Teatro Rolla Pedra, em Taguatinga, começou a se preocupar mais com a musicalidade da banda, com uma visão mais profissional do Detrito. Quando ele propôs a entrada de outro guitarrista eu percebi que não dava pra mim. Realmente eu não sabia tocar e não estava disposto a aprender para gravar um LP, queria fazer punk rock como protesto.

Zine Oficial impresso número 24, dezembro de 2009 - Qual era a formação original do Detrito Federal e quantas formações a banda teve?

Bosco, em 2009 - A formação original era Eu (Bosco) na guitarra, Mila no Baixo, Cascão na bateria e Podrão no vocal. Depois houve várias formações, não saberia listar todas, mas acho que foi a Syang quem entrou no meu lugar, na guitarra. O Cascão não queria que a banda voltasse (em 2000), por toda a história, que julgava completa. Chegou a dizer que o Detrito Federal era um defunto que não deveria ser desenterrado. Mas muitas bandas estavam voltando: Capital, Plebe Rude. Decidimos voltar com o Detrito Federal porque o Milton (antigo baixista e detentor dos direitos sobre o nome) incentivou. Disse que eu e o Podrão somos a essência da banda. Muita gente pensa que nós temos alguma treta com o Cascão porque ele não queria que resgatássemos o nome, mas é fato superado. O Cascão é um cara gente boa, não temos problemas com ele, que foi responsável por muitas conquistas à frente do Detrito Federal, embora com proposta musical bem diferente.

Zine Oficial impresso número 24, dezembro de 2009 - O Cascão nos informou por telefone que a formação do Detrito Federal que tocou no último show do Raul Seixas era Paulo César Cascão no vocal, Débora Dariwich na bateria, Paulo Hiena no Baixo e Rômulo Júnior em uma das guitarras. Ele também assinalou que Mauro Manzolli, que tocou bateria com Nando Reis do Titãs e faleceu em 2008, também tocou guitarra com o Detrito na histórica abertura do último show do Raul Seixas.

Bosco, em 2009 - Embora eu não tenha participado da formação do Detrito Federal que tocou no último show do Raul, acho importantíssimo para a banda ter participado desse show. Isso só reforça a importância que a banda tinha conquistado. Mesmo eu não tendo tocado, era o Detrito Federal que estava lá. Algumas letras eram escritas pelo irmão mais velho do Cascão (o hoje jornalista Zé Vieira) e Marcão Adrenalina, já falecido, autor dos clássicos "Se o tempo Voltasse" e "Desempregado" (esse último em parceria com Renato Estrela). Mas a maioria das letras do Detrito Federal eram minhas. Até hoje eu sou o que mais escreve.

Zine Oficial impresso número 24, dezembro de 2009 - Muita gente pensa que o Detrito Federal participou do primeiro Rock Cerrado do Gama, em 1986, pelo fato do Podrão ter cantado as músicas "Fim de Semana" e "Desempregado", com o Bosco tocando guitarra...

Bosco, em 2009 - Era o BSB-H, com o Podrão no vocal, eu (Bosco) na guitarra, Piolho no baixo e Marcelo Careca na bateria. Tocamos no primeiro Rock Cerrado do Gama, em 1986.

Zine Oficial impresso número 24, dezembro de 2009 - Outra curiosidade sobre o Detrito Federal e o Rock Cerrado do Gama é que o Cascão foi o apresentador oficial do festival em 1991. Mas voltando ao assunto anterior, a proposta da BSB-H, em algum momento, era uma tentativa de manter a essência do trabalho original da Detrito Federal?

Bosco, em 2009 - Foi pelo mesmo motivo da época em que saí do Detrito Federal que eu saí do BSB-H. O Podrão estava colocando uma pegada mais thrash metal, meu negócio é punk rock.

Zine Oficial impresso número 24, dezembro de 2009  - A pessoa tem mais motivos para ser punk hoje ou nos anos 1980?

Bosco, em 2009 - Em 1981, no antigo Pelezão (estádio de futebol que ficava próximo ao local onde hoje é o Park Shopping) aconteceu o festival Rock Cerrado. Não tem nada a ver com o Rock Cerrado do Gama, né?

Zine Oficial impresso número 24, dezembro de 2009 - Realmente o Rock Cerrado que aconteceu no Pelezão não tem ligação direta com a produção do Rock Cerrado do Gama.

O jovem Bosco engajou com afinco
no movimento punk em 1982.
Bosco, em 2009 - Pois é. Nesse festival tocaram Raul Seixas, Pepeu Gomes, Baby Consuelo, Walter Franco, Robertinho do Recife, Mel da Terra e Rita Lee, se não me engano. Eu estava na platéia e ainda não conhecia toda galera que viria a fazer parte da formação original do Detrito Federal e nem poderia imaginar que apenas 8 anos mais tarde a banda tocaria no último show do Raul Seixas. Acho que o Rock Cerrado lá do Pelezão foi o primeiro grande festival de rock de Brasília, mas o que mais me chamou a atenção foi a repressão policial. A maior paz dentro do estádio e lá fora a polícia do general Figueiredo baixando a porrada nos roqueiros. Figueiredo foi o último dos 5 generais presidentes que comandaram o Brasil de 1964 a 1985. Isso ficou na minha cabeça, virei punk para protestar contra a opressão do regime militar, mas ainda hoje vemos outras formas de opressão.

Zine Oficial – Voltando ao tempo atual, você reafirma as convicções que tinha na conversa com o Zine Oficial em 2009? Como você vê as novas gerações de punks no DF, no contexto de 2011? Você observa alguma tendência mais radical, com polarizações e tretas, ou compreende que esse tempo é de paz e mais integração com outras tendências do rock?

Bosco Novas gerações de punks... Sim, o movimento está sempre se renovando. Mas como um velho punk, eu desconfio de muita coisa... Esse papo de raw punk, punk street, punk oi, punk aquilo, punk isso... Pra mim é tudo besteira, só existe uma palavra: PUNK! Quanto à violência, acho que hoje é mais calmo, mais tranqüilo, mas não tão unido, dentro do movimento, como era antigamente.


Zine Oficial – haverá algum evento especial para comemorar os seus 50 anos de idade, com vida intensa no cenário punk, ou a comemoração será reservada, com a família e amigos?

Bosco – Não pensei em algum evento... Por enquanto não. Mas eu queria celebrar com todos que participaram da minha história, de um modo ou de outro.


Zine Oficial – Parabéns, “punk véi”. Muitos anos de vida! Saudações a sua esposa e filhos, pela força que sempre te deram!
Ao completar 50 anos em agosto de 2011
Bosco é enfático quanto à alguns  avanços sociais: 
‘‘Eu não me iludo,  eu ainda uso coturno..."



Bosco - Valeu! Abração a todos! Achei que nunca chegaria aos 50 anos... Era muita doideira...


6 comentários:

  1. Bôsco, parabéns mano veio. você, realmente, é dos poucos autênticos, de atitude sempre digna. Idealismo, fé no rock, visual, coturno... honestidade musical e comportamental admirável! Parabéns de verdade! Grande entrevista Tomaz!
    Abraços!
    Sandro Neiva

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  2. Grande Bosco! Seu relato é muito fiel,você é um ícone do movimento punk brasiliense,só tenho lembranças boas dessa época.Seus rifs são de atitude!Sou testemunha! Forte abraço! Vida longa!

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  3. Me sinto imensamente orgulhosa de estar com você a 23 anos.você q é o meu PUNK sempre fiel a tudo que acredita e defende sua ideias com sabedoria. Mil felicidades saúde e todo o meu amor bjos. te amo.

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  4. Grande Entrevista,quando li me emocionei. Admiro o Bosco por sua Determinação e Ideologia,lutando sempre pelo o que acha certo e pela essência do verdadeiro PUNK! Realmente Detrito Federal é uma das Únicas bandas Punk que manteram o estilo original(mesmo passando por diversas formações),desejo que o cara tenha ainda muitos anos no cenário do rock do DF(mesmo que o mesmo não seja o mesmo quando se trata de bandas Punk). Parabéns Bosco,me amarro nos riffs simples mas ao mesmo tempo com um grande poder de manter a ideologia Punk! Detrito tem que fazer um show em comemoração,se tiver,estarei lá.

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  5. Isso ai,
    Vida longa e logo estaremos tocando juntos novamente.
    Marcos
    O DIA D

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  6. ...Parabens camarada!!!

    saúde,paz,lucidez,harmonia,resistencia e muito punk rock sempre!!!...

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