domingo, 21 de agosto de 2011

Joana Dark: A morte de Raul Seixas narrada de uma maneira diferente

O último show de Raul Seixas foi realizado em Brasíliaem uma noite de sábado para domingo, entre os dias 12 e 13 de agosto, no Ginásio Nilson Nelson.  

Em 2011, relembrando a passagem dos 21 anos da morte de Raul, apresentei um trecho do livro "Velhos demais para o Rock´n Roll?". Em toda a saga, composta por 8 volumes, são descritas paixões e loucuras de sete personagens que frequentavam assiduamente a cena roqueira do DF e Entorno. Todas desapareceram misteriosamente sem deixar vestígios, intrigando um oitavo elemento, que estava no último show de Raul Seixas.  

(...) não dá para esquecer Joana Dark. A garota foi batizada em homenagem a uma polêmica guerreira francesa. A guerreira foi perseguida politicamente, jogada na fogueira sob acusação de heresia e depois santificada pela igreja católica. Nossa Joana não ardeu em brasas. Teria sido uma péssima morte, pois detestava calor e Sol. Adaptou a grafia do sobrenome para Dark, com a letra K, por causa de seu gosto musical e estilo de vida. Ela era gótica, adepta de um rock sombrio e notívago.
Joana, a Dark, não era guerreira como Joana D´arc. Era poetiza. Se bem que na vida das duas as diferenças são pontos de vista. Empunhar uma espada na idade média, hostilizada pela suposta atração sexual, e escrever versos que soavam lésbicos no século XX, em uma sociedade machista e conservadora, são batalhas de uma mesma guerra. Em Ceilândia, reduto nordestino no DF, nos idos de 1985 o cangaço hostiliza Joana Dark, filha de baianos: “Que diacho! Um pitéu desses fazendo versinho pra muié-macho e dando conversa pra baitola?!” (...)
Fica em Ceilândia a Casa do Cantador, espaço de repentistas e cordelistas. O pai de Joana costumava levar a adolescente para os recitais. Ela logo se interessou por versos, apesar de enveredar por um estilo bem diferente na hora escrever as próprias rimas. Literatura sempre foi uma característica dos darks, a forma estética de apresentação dos textos também. O Perfecto Crudélis, impresso em papel jornal, era muito bem feito em comparação aos toscos fanzines xerocados dos anos 1980 e encantou Joana, que recebeu a publicação durante uma visita à Faculdade de Artes Dulcina de Moraes, no CONIC, centro de Brasília. (...)
(...) Mulher igual à Joana não se via nas ruas do Cruzeiro, cidade onde Ganso morava: um misto de subúrbio carioca com cidade do interior de Minas, incrustado no rabo do Plano Piloto, no final da avenida Eixo Monumental. Só que monumental mesmo era Joana Dark! Os fartos seios, sem o menor sinal de bronzeamento, pareciam querer saltar do corpete preto, enquanto ela declamava baixinho para si mesma no balcão do bar: “No percurso rumo ao prédio oculto, desolado o sol se põe a Oeste... cantos do extremo do mundo...” Sem saber como, Ganso lembrou-se dos versos da antiga canção da banda paulista Violeta de Outono e completou: “... espero em silêncio profundo!” Joana sorriu e ajudou o novo amigo a consumir as doses de vodka que ele vinha trazendo nas mãos... No final da noite ele descobriu que a luta contra a homofobia não era por causa da preferência sexual de Joana, fogosa como uma das mais ilustres conterrâneas do estado da Bahia, berço da guerreira Maria Bonita, única criatura que conseguia aplacar o fogo de Virgulino Lampião.
(...) Por coincidência, havia no bando de Lampião um cangaceiro negro, de codinome Sabonete, confidente de Maria Bonita. Alguns contos sugerem um possível triângulo amoroso. O melhor amigo de Joana Dark também respondia pela alcunha de Sabonete. Era um cara introspectivo com gente estranha. Joana falava muito dele para Ganso, pois sabia do gosto comum dos dois por desenho, poesia e Raul Seixas, roqueiro baiano com grande popularidade em Ceilândia, onde a moça morava, vizinha a Sabonete. Raul era dos poucos artistas que Joana compartilhava com o pai e o vizinho, mesmo ressaltando que algumas canções eram bem machistas, coisa que ela não admitia. Não admitia também o ciúme que Ganso vinha demonstrando com relação à Sabonete. Era um absurdo isso para Joana, afinal os caras poderiam ser amigos de longa data. Estiveram, nos mesmos dias, em três shows do grande ídolo comum e sempre iam às homenagens ao cantor, anos após sua morte. O mais conhecido cover de Raul Seixas no DF já era o Tika, de Taguatinga. Parecia impossível Ganso e Sabonete nunca terem trocado ideia em alguma apresentação do cara no Blues Pub, casa de shows comandada pela Lázia e freqüentada por Joana Dark. (...)
Sentada entre os dois amigos, Joana divertia-se com a empolgação de Ganso e Sabonete, ao comentarem que Marcelo Nova, ex-líder da inesquecível banda baiana Camisa de Vênus fechou os anos 1980 com o grupo paulista Envergadura Moral, tocando ao lado de Raul, com quem compôs o último LP do Maluco Beleza. Joana, que preferia bandas góticas, dava corda para os amigos, sempre à espera de uma divergência, só para rir das brigas intermináveis, a fim de provar, cada qual, quem sabia mais: “Marcelo e Raul fizeram cinqüenta shows pelo Brasil para divulgar o último disco”, dizia um, “Fui a dois shows que tinha gente pendurada até no teto”, retrucava o outro, referindo-se aos ferros de sustentação das lonas do circo montado ao lado da rodoviária do Plano Piloto, o antigo GranCircolar, de frente para a Esplanada dos Ministérios (...).
Na verdade, Joana não apenas se divertia com a empolgação dos amigos. Ela achava as histórias interessantes e checava tudo, pois era leitora ávida. No Ginásio Nilson Nelson, dia doze de agosto, ainda em 1989, ao lado do Estádio Mané Garrincha, a presença de Raul foi confirmada de surpresa somente durante a semana do evento, o encerramento do 2º Festival Latino Americano de Arte e Cultura, que aparentemente não fazia parte dos cinqüenta shows que Raul e Marcelo Nova programaram para divulgar o LP “A Panela do Diabo”. O público estimado em três mil pessoas percebeu que a saúde do ídolo estava bastante debilitada. Só que ninguém queria acreditar que isso era o presságio do último capítulo de uma história marcada pela contestação e excessos. A platéia curtia em êxtase aqueles momentos, sem preocupar-se com a desenvoltura de Raulzito no palco. Ele mal se mexia e mal acompanhava as músicas cantadas em coro por todos. Nesse derradeiro show, a banda candanga Detrito Federal gravou definitivamente seu nome na história do rock nacional ao abrir a noite para Marcelo Nova e Raul Seixas.
Apesar de boatos sobre outra apresentação em Marília, no interior de São Paulo, a última vez que se tem notícias concretas de que Raulzito subiu em um palco foi em Brasília, vindo a falecer nove dias depois, aos quarenta e quatro anos, em vinte e um de agosto de 1989, na capital paulista, onde morava sozinho, após o fim do quinto relacionamento. Essa aura trágica nos relatos de Ganso e Sabonete exercia um fascínio assustador em Joana Dark, que procurava controlar sua estranha excitação.
Muito antes de Joana apresentá-lo a Sabonete, o jovem Ganso foi de Brasília a São Paulo para um cortejo musical em homenagem ao ídolo Maluco Beleza, em 1990, evento que se repetiu anualmente desde então, no centro da megalópole brasileira. Assistir ao último show foi marcante para os fãs brasilienses, por isso era importante estar na primeira grande homenagem. Sabonete foi com amigos a bordo de um Corcel 1973, especialmente preparado para agüentar o tranco. A viagem a São Paulo para o que ficaria conhecido como Passeata Raul Seixas, realizada na Praça da Sé um ano após a morte do cantor, foi feita por Ganso aproveitando um encontro nacional dos bancários, que coincidentemente seria realizado nas proximidades, com participação de companheiros de todo País. Mesmo sem trabalhar em banco, Ganso descolou lugar em um ônibus por ser amigo dos sindicalistas. Afinal, era piolho do projeto cultural Sexta Básica (...), realizado sempre às sextas-feiras na antiga sede do Sindicato dos Bancários de Brasília, no edifício José Severo, Setor Comercial Sul. A excursão voltaria à Brasília algumas horas após a passeada sindical, sobrando tempo para a passeata roqueira no centro de São Paulo.
Quando Marcelo Nova, último companheiro de palco, voltou ao DF para apresentar-se na 2ª Edição do Festival Rock na Veia, em Ceilândia, faltavam apenas seis dias para completar dezenove anos da partida de Raul Seixas. Havia, na mesma data, um compromisso inapelável para um grupo de fãs: o casamento da comadre Estela e do compadre Chicão, baterista da extinta banda Coma Alcoólico, rebatizada depois como Cruzbúrbio. Chicão estava com Ganso em 1989, no derradeiro show de Raul. Seria o parceiro ideal para acompanhá-lo quase dezenove anos depois da morte do ídolo, prestigiando a apresentação de Marcelo Nova no DF, em quinze de agosto de 2009. O compadre Avelino, que estivera com Ganso na primeira Passeata Raul Seixas, um ano após a morte do cantor, também foi ao casamento do Chicão. As credenciais que garantiriam o acesso ao camarim de Marcelo Nova foram então cedidas a outro amigo raulseixista, funcionário do Banco do Brasil, popularmente conhecido como Raulzito do Gama. Quem também poderia ter sido agraciado era Sabonete. Ganso não deu as credenciais para ele ir ao show com Joana não porque ainda tivesse ciúmes da moça, por desconfiar de um suposto envolvimento amoroso entre os dois vizinhos, coisa que Sabonete negava cinicamente, sempre cantarolando uma música da antiga banda de Marcelo Nova, a Camisa de Vênus, cujo refrão dizia: “...Eu nunca tive nada, com Joana D´arc... Nós só nos encontramos pra passear no parque...” . 
Infelizmente Sabonete suicidou-se em 2005, no dia 21 de agosto, o mesmo dia de aniversário de quinze anos da morte de Raul Seixas. Joana chorou muito no enterro, realizado no Cemitério de Taguatinga. Ela sabia que o motivo do suicídio de Sabonete era depressão por causa do vício em cocaína e passou a criticar Ganso pelo excesso na bebida, outro vício terrível. O mesmo vício que ceifou a vida de Raul Seixas. (...)

NOTA DO AUTOR, atualizada em 21 de agosto de 2013: O livro "Velhos demais para o rock´n roll?" teve o primeiro episódio (Helena) publicado em 2012, iniciando contagem para o sétimo ano de circulação do Zine Oficial

Joana Dark é o episódio número 5, lançado antecipadamente em 2011, em homenagem ao FERROCK daquele ano, visto que a maioria dos fatos romanceados especificamente neste fascículo aconteceram em Ceilândia, cidade onde é realizado o Festival de Rock mais antigo do DF, o FERROCK. 

Todos os fatos citados são verídicos, mas as personagens que dão nome aos sete primeiros capítulos da saga "Velhos demais para o rock´n roll?"  foram  rebatizadas: Helena, Menelau, Satãzinho, Inútil, Joana Dark, Raptor e Flor de Lis. Outros personagens são citados pelos nomes próprios ou apelidos. Todas as bandas são citadas com seus nomes reais, em todos os episódios.

Até o momento desta postagem (21 de agosto de 2013), ainda permanecem inéditos os episódios Raptor, Flor de Lis e O Pescoço do Ganso. Quando todos forem publicados separadamente, toda a saga será reunida em um único volume.  (Tomaz André, Z.O.)

5 comentários:

  1. Quero muito ter esse livro, muito bom!

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  2. Excelente trabalho Tomaz, faz a gente voltar no tempo, e relembrar velhos companheiros, até mesmo o casamento do velho chico com a Estela. Me lembro também que no dia que recebemos a notícia da morte do Raul, estávamos em churrasco na casa da Dulcinéia. Será muito bom ler este livro. Parabéns e boa sorte. Wiltonveloso@uol.com

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  3. A mistura dos fatos da vida cotidiana de pessoas reais que vivem no cenário do rock brasiliense, com a trajetória de ídolos do rock nacional e com a história do mundo. É um livro que além de relatar as aventuras que nós roqueiros fazemos de nossas vidas, nos leva a uma viajem no tempo e na história. E apesar do titulo ser velhos de mais para o rock'n roll, nos faz sentir que somos heróis da resistência assim como a heroína, Joana D'arc, citada nete trecho do livro.
    Parabens você consegue nos levar a outros lugares sem sair da cadeira.
    Jaqueline Monteiro

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  4. Por Rauzito do Gama
    Grande Tomáz, estamos todos anciosos pelo chegada do seu livro, só quem viveu esses momentos pode saber do que estamos falando um grande abraço e saudações raulseixistas

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