quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

“Todo sonhador é viciado em esperança”


Esperança é vício? Da mesma forma que os vícios, existem sentimentos e tradições difíceis de abandonar. Desejar que o ano novo seja melhor que o ano morto é viciante. É como tentar parar de beber e não conseguir. Ou largar outras drogas, pelo que já acompanhei famosos e anônimos tentarem. Jamais consegui parar de beber, ainda mais nesse período do ano, com tantos brindes de boas festas.  Espero, no entanto, ter me afastado para sempre dos excessos. Fico reconfortado em concluir que, por mais que vicie, esperança está longe de ser um mau hábito. Faz algum tempo que escrevo uma mensagem de novas perspectivas todo fim de ano, mesmo que o horizonte não esteja muito claro para o próximo período. O  uso do cachimbo deixa a boca torta, como dizem os mais antigos. Desejo, de todo coração, que todos nos libertemos dos hábitos compulsivos, ruins. Por outro lado, um “vício” que não quero que ninguém deixe para trás é a esperança.


Show da banda Madre Negra no Festival Doomsday 
do Coletivo Lobeira, em Luziânia-GO. CLIQUE AQUI 
PARA VER MAIS FOTOS DO EVENTO. 
Penso que desejar dias melhores é uma necessidade da alma humana, essa coisa etérea que jamais pude entender. Se por um lado me pego negando a existência de deus, por outro lado me surpreendo acreditando na utopia de uma alma humana mais solidária. Quem diagnosticou esperança como um “vício” da alma dos sonhadores foi a banda Madre Negra, brindando os fãs no final de 2012 com o clipe da música "Todo sonhador é viciado em esperança". A banda a que me refiro surgiu no final de 2011, no bairro do Jardim Ingá, distrito de Luziânia, município goiano que faz parte da região do Entorno do Distrito Federal. Na edição impressa do Zine Oficial número 40, de outubro de 2012, já foi dito que é impossível dissociar a banda Madre Negra da extinta banda Sem Destino, dona de uma história ímpar no cenário roqueiro do DF e Entorno. O letrista e vocalista de ambas são a mesma pessoa: Marcelo Marcelino.  

Na canção “Todo sonhador é viciado em esperança”, Marcelo Marcelino canta sobre mazelas causadas pela corrupção, não só dos poderosos, mas também da corrupção encravada culturalmente na alma do povo, versando: “Existem aqueles que roubam migalhas, existem ladrões que roubam milhões, mas vendo de perto são todos iguais...”.

A capital brasileira, antes de ser conhecida como a Capital do Rock, ganhou o título de Capital da Esperança. No final dos anos 1950, gente de todo o País se deslocou para o Planalto Central, alimentando sonhos de dias melhores. Nem todos se deram bem. Além das fronteiras do Distrito Federal, muitas cidades incharam, outras nasceram. Em plena virada de 2012 para 2013, vemos que a esperança ainda atrai muita gente, de cidades distantes, ou das cidades mais próximas. Uma parte dessa gente se dirige à capital em diferentes períodos do ano, para se estabelecer em determinadas profissões ou seguir carreira pública; outra parte, sem mais opção, se desloca especialmente na época de Natal, a fim de conseguir presentes para alegrar o início do ano que se aproxima. Cada um tem o sonho do tamanho que pode carregar. A cada dezembro, andando pelas ruas de Brasília, é fácil notar que a polícia fica atenta ao que se carrega por aí, pois teme que as “hordas invasoras” sejam tentadas a roubar dos mais abastados. Foi em uma de minhas andanças pela cidade, vendo revistas a infratores que moram nas ruas, que me peguei cantarolando uma música de uma banda do Entorno, região que sofre muito com o impacto populacional causado pela especulação imobiliária no Distrito Federal: “... Existem aqueles que roubam migalhas, existem ladrões que roubam milhões...”. A polícia, fazendo seu trabalho de maneira correta, deixa turistas e moradores mais tranquilos durante as festas de fim de ano na iluminada Brasília, o que é bom. Infelizmente, dentro dos palácios a força policial não tem jurisdição para inspecionar o que se carrega, ou o que se rouba. Muitos poderosos representantes do povo nada fazem para ampliar as esperanças dos eleitores, relegando à população sonhos modestos, ou mesmo a ideia de “se dar bem”, a exemplo dos que usam o poder em proveito próprio. 

O Congresso Nacional é conhecido como 
"A Casa do Povo". Em 2009 o jornal Correio 
Braziliense publicou reportagem revelando 
que perto do bonito conjunto arquitetônico, 
viviam catadores de papel em barracos de 
plástico preto. LINK COM REPORTAGEM.
A canção “Todo sonhador é viciado em esperança”, enxerga uma disparidade que poucos brasileiros de outros estados sabem existir em plena Capital Federal. Em determinado trecho da música, a letra fuzila: “Já foi à Brasília? Conhece o Palácio? Depois do Palácio existe um lixão, depois do lixão tudo vira favela, depois da favela somos todos iguais...” Não se trata de licença poética para falar dos lixões Brasil afora. Barracos de catadores de papel instalados próximos à Praça dos Três poderes até pouco tempo eram prova ocular de que os políticos precisam ampliar sua visão e olhar mais para o povo, que trabalha e mantém sua esperança, mas não pode, sozinho, corrigir séculos de má distribuição de renda. Não adianta falar que a culpa é do governo, muitas vezes engessado. Fico triste ao lembrar de parlamentares contra programas sociais de geração de emprego e renda, barganhando votos e desviando fortunas para os próprios bolsos. Ao divagar sobre os barracos próximos ao poder, bato palmas para a visão humanista da banda Madre Negra. O problema não está somente nos que roubam milhões, mas nos que aceitam corromper-se por migalhas, elegendo egoístas engravatados. Digo que não sei para onde removeram os catadores de papel que se instalaram próximo à Praça dos Três Poderes, mas concluo que para haver justiça social no Brasil é preciso, urgentemente, remover para sempre certas ratazanas do Congresso Nacional.

Sem nos alienarmos da política, voltemos a falar sobre rock na Capital Federal e seus arredores. Tenho esperança de dias melhores para as bandas da cena local, com eventos que atraiam e satisfaçam o público. Lembrando que existem inúmeras bandas de alto nível, não posso deixar de afirmar que a Madre Negra foi uma das maiores surpresas que tive o prazer de ouvir em 2012. Desejo sucesso à banda, que tem potencial e experiência para superar-se cada vez mais. Além da habilidade em abordar sem demagogia temas relevantes, Marcelo Marcelino traduz, para quem acompanha o rock local, a esperança de que artistas das cidades do DF e Entorno sejam mais valorizados e reconhecidos no chamado Rock Brasília, pois a cena é a mesma. O baixista Nicko, o baterista Leandro e o guitarrista Devan conseguem elevar ainda mais as mensagens das letras de Marcelo, com arranjos que chamam a atenção dos ouvintes, como testemunhei durante uma apresentação no Rock Cerrado do Gama, DF. Essa combinação de talentos pode recolocar a cidade de Luziânia, GO, na rota do rock alternativo brasileiro, a exemplo do que fez a banda Sem Destino, quando se apresentou no Rock in Rio de 2001.

Falando de forma mais ampla, em nome do Zine Oficial, desejo um 2013 de muitas conquistas para o público, para as bandas e para os produtores que fazem o rock que rola no DF e Entorno. Registando um pouco dessa cena, no ano que se encerra tivemos três edições impressas do Zine Oficial, com resenhas das bandas Rota 66, Lis Negra, Totem, Kábula, Elffus, Isolate e Eletronic Dust; Considered Dead, Under The Ruins, Subterror, Hidden in Flesh, Defy (SP), Coral de Espíritos, Scania e Anthares (SP); RA II, Cálida Essência, Madre Negra, Death Slam, Bruto, ARD e Lúpulo e Cereais Não Maltados. Apesar de todas as dificuldades, continuaremos publicando edições impressas ao longo dos próximos anos. Sejamos todos cada vez mais sonhadores e viciados em esperança. Mas, sobretudo, cada vez mais empenhados no velho lema “faça você mesmo”.  

(Tomaz André, Zine Oficial. Mais de 120.000 exemplares impressos, somadas as 40 edições publicadas de 2006 a 2012. O site www.zineoficial.com.br  mantém agenda de shows sempre atualizada).

O clipe da música “Todo sonhador é viciado em esperança”, 
da banda Madre Negra, citada no texto acima pode ser conferido no link: http://www.youtube.com/watch?v=OpUsiYuWwvo

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

A Sociedade Alternativa na estrada, com destino incerto.

Cena do filme RAUL – O INÍCIO, O FIM E O MEIO 

A vida nem sempre é percorrida por uma estrada margeada por flores. RAUL – O INÍCIO, O FIM E O MEIO é um filme de rock´n roll real. Misturando imagens de arquivo e depoimentos de amigos e fãs, além de familiares, o documentário deixa transparecer rivalidades e mágoas. Apesar da produção ter pendido para algumas figuras, a ponto de deixar a impressão de ser “global” demais, o resultado final ficou muito bom. Assisti ao filme cinco vezes no cinema e vi gente rindo, gente chorando e gente com raiva por causa das cenas mostradas. Até hoje, foi o documentário mais completo que vi sobre a vida de Raul Seixas. Descobri uma postagem no YouTube com o filme sem cortes. Ao compartilhar este link, gostaria de reiterar o que eu disse no início: A vida nem sempre é bela. RAUL – O INÍCIO, O FIM E O MEIO não é um filme politicamente correto justamente por ser um filme de rock´n roll real. Com certa tristeza, reconheci algumas imagens passadas no filme. Por causa de dúvidas levantadas de vez em quando, quanto ao último show de Raul Seixas, sempre repito: a última apresentação foi em Brasília, com abertura da banda Detrito Federal, em 13 de agosto de 1989, no Ginásio Nilson Nelson. Eu estava lá. 

ADVERTÊNCIA: RAUL – O INÍCIO, O FIM E O MEIO contém cenas de satanismo com sacrifício de animais, drogas, alcoolismo, inveja, loucura e discriminação, mas também genialidade, amor e sonhos. ASSISTA AO FILME COM A MENTE ABERTA E O JUÍZO EM DIA! Aí está o link: http://www.youtube.com/watch?v=-BW3yhGwvFQ
(Tomaz André, Zine Oficial)



A “renovação” da cena do DF e Entorno tem gerado diversas discussões e pontos de vistas diferentes.  Na plateia do Rock Cerrado 2012, com a Praça do Cine Itapuã repleta, vi muita gente das antigas e muita gente nova, mas vi poucos integrantes de bandas novas, prestigiando da plateia um evento de tamanha importância, no qual muitas bandas sonharam e ainda sonham tocar, caso a anunciada morte do festival não se concretize. Como editor do Zine Oficial, conheço muitas bandas e seus integrantes. Já fizemos em torno de quatrocentas resenhas em sete anos de publicação e mais de 120.000 exemplares impressos, somadas as 40 edições lançadas até o momento. Mesmo assim, é impossível lembrar de todo mundo. Digo isso avaliando do meu ponto de vista, mas acredito que seja assim com os produtores de eventos também. Talvez por isso, acabam lembrando e convidando mais vezes as bandas que tocam com maior frequência. Vem daí a sensação de “panelas”: uma reclamação recorrente, que parte na maioria das vezes de integrantes de bandas novas, mas também de bandas antigas que se colocam à margem de processos seletivos para os mais diversos eventos ou não conseguem ter acesso aos produtores.

Primeiro, quero registrar minha opinião: acho que quem carrega o piano tem o direito de escolher quem vai tocar. Dito isso, é preciso dizer também que os criadores do Rock Cerrado sempre abriram espaço principalmente para bandas do DF na Região do Entorno Sul. Contrariando o próprio nome, o Grupo Cultural Os Parasitas do Sucesso organizou o Rock Cerrado de 2012, assim como muitas outras edições, tirando dinheiro do próprio bolso e fazendo arrecadação entre amigos e comerciantes, sem patrocínio do governo. SEM NENHUM REAL MESMO! O "apoio" que saiu nos cartazes, com a marca do GDF, foi somente um afago para que as autoridades não embaçassem a montagem do palco em área pública. Integrantes das bandas escolhidas para tocar este ano sempre ajudaram de uma forma ou de outra, mesmo quando não tocaram, a divulgar e a realizar o evento em diversos anos da existência do festival, por isso foram chamadas, ou melhor, CONVOCADAS para o que pode ter sido o último Rock Cerrado do Gama. UMA JUSTA RETRIBUIÇÃO. Não se trata de “panela”, mas de ação. Como não havia patrocínio, as bandas tocaram sem cachê e ainda trabalharam na divulgação. Sendo observador de muitos eventos, e de vez em quando ajudando em algumas produções, acho que para haver renovação, é preciso mais ação das bandas novas. Com a decisão de passar o boné, anunciando o fim do Rock Cerrado, os remanescentes do grupo que criou o festival talvez tenham alertado essas bandas para tal responsabilidade. Quem se habilita a continuar o projeto? Quem se habilita a carregar o piano? Ao contrário de renovar, alguns rostos novos na plateia protagonizaram um fato lamentável, gerando provocações que desandaram para agressão física a um dos artistas, veterano na cena do Rock no DF e Entorno, e consequente reação. A escaramuça, felizmente, foi contida pelo eficiente trabalho da segurança do evento e apoio da polícia militar. O incidente, apesar de lamentável, não tirou o brilho da noite. Pelo que sei, teve quem procurasse o coordenador do Rock Cerrado, se apresentando como autoridade no camarim, prometendo mundos e fundos para que o festival não acabe, devido à sua história e ao grande sucesso que foi o evento deste ano, mais uma vez! Se tais promessas se concretizarem e se o mundo não acabar em dezembro de 2012 como previram os maias, tenho certeza de que haverá Rock Cerrado em 2013. Essa é a hora de novas bandas mostrarem as caras, dos integrantes dessas bandas comparecerem aos shows de outras bandas, fazerem intercâmbios, conversarem com os produtores, com os donos das casas de shows. Existem muitos projetos independentes rolando, muitos lugares por todo DF onde se pode tocar. Veja agenda de shows no site www.zineoficial.com.br .

Tomaz André, Zine Oficial.


sábado, 18 de agosto de 2012

Angelo Agostini e mais de 3.000 artistas gráficos

Você, que está habituado a entrar nesta página buscando informações sobre o rock que rola no DF e Entorno, não estranhe esta postagem. Muitos músicos e produtores locais estão  diretamente ligados ao assunto que vou abordar agora: a arte visual.

Recebi de São Paulo um e-mail de divulgação que motivou esta resenha. O site do designer gráfico e ilustrador Faoza avisa que ele é um cara que  trabalha para revistas, livros, páginas da internet, publicações corporativas e faz desenhos para embalagens e peças publicitárias. Diz ainda que mora na capital paulista com sua mulher, filho e dois "ferozes" cães de guarda da raça Shitzu. Muitas vezes a gente não liga o nome à pessoa, nem a pessoa ao trabalho, mas certamente, pelo Brasil afora, você ou alguém próximo já folheou revistas com trabalhos de Faoza. Quem procura por outros artistas gráficos e ilustradores brasileiros também sofre com a falta de informações sobre os mesmos, sejam considerados ícones ou não.


Resultado de uma pesquisa iniciada em 1998 pelo ilustrador paulistano Faoza, referenciado no primeiro parágrafo desta postagem, o site Tupixel é uma ferramenta para quem busca informações sobre desenhistas brasileiros ou radicados no Brasil. Em seu banco de dados, provavelmente o maior do gênero no País, com mais de 3.000 artistas cadastrados, o visitante irá encontrar links e imagens de referência de grandes mestres do passado, de renomados desenhistas profissionais e de iniciantes desta arte tão presente em nosso dia-a-dia, seja nas mídias impressas, seja pelos meios digitais. Alguns artistas, listados por ordem alfabética, ainda não têm links ativos, mas acredito que ao longo do tempo o Tupixel seja cada vez mais aprimorado. Desde o surgimento em 1998, com o nome provisório de "Casa dos Bonecos", a ferramenta de pesquisa foi tomando corpo e recebendo colaborações de amigos, colegas e admiradores do desenho feito no Brasil. A partir de março de 2010, o site passou também a receber indicações dos internautas.

http://www.tupixel.com.br/
A lista de artistas do Tupixel é extensa e diversa. Impressiona também pelo período abordado: de Angelo Agostini, artista italiano que residiu no Brasil (São Paulo -1860) - reconhecido por pesquisadores como um dos pioneiros em âmbito mundial - até desenhistas da atual geração digital. Entre os nomes cadastrados, o internauta encontrará links para trabalhos de Flavio Colin, Carlos Zéfiro, J. Carlos, Jayme Cortez, Jaguar, Benicio, Henfil, Ziraldo, Mauricio de Sousa, Glauco, Laerte e Angeli, "para citar apenas alguns nomes mais conhecidos do grande público", como avisa o criador do site Tupixel. Faoza, diz ainda que espera que a pesquisa dos visitantes seja tão prazerosa quanto foi, "e ainda está sendo", a dele, desde que teve a iniciativa de criar a ferramenta de pesquisa, voltada para profissionais, estudiosos e todos aqueles que desejam ter uma visão panorâmica do desenho feito em terras tupiniquins.

(Tomaz André, www.zineoficial.com.br)

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

O Mito da Caverna e a internet


Platão
Não existiam computadores no século IV a.C., quando filósofo grego Platão escreveu o Mito da Caverna, texto conhecido também como Alegoria da Caverna, Prisioneiros da Caverna ou Parábola da Caverna. Às vezes eu viajo longe no tempo! Fazendo uma associação entre os prisioneiros da caverna, descritos por Platão, e alguns usuários da internet, concluo que as pessoas determinadas a se envolver efetivamente na cena roqueira do DF e do Entorno, e também interagir no cenário nacional, deveriam sair mais de trás do computador e viver a vida real. Acredito que o contato pessoal e o intercâmbio dissipam conceitos pré-estabelecidos ou pelo menos fazem as pessoas se conhecerem melhor antes de chamarem umas às outras de amigas. Ou inimigas. 
A íntegra do texto O Mito da Caverna, caso alguém decida aprofundar-se um pouco mais, encontra-se no sétimo livro da obra A República. Em seu enredo, Platão convida o leitor a imaginar um muro bem alto separando o mundo externo e uma caverna. Na caverna existe uma fresta por onde passa um feixe de luz exterior. No interior da caverna permanecem pessoas que nasceram e cresceram ali, acorrentadas e forçadas a olhar somente a parede do fundo do lugar onde moram, onde são projetadas sombras de outros seres humanos que, além do muro, mantêm acesa uma fogueira. Pelas paredes da caverna também ecoam os sons que vêm de fora, de modo que os prisioneiros associam tais vozes às sombras. Assim, julgam que essas sombras sejam a realidade. Em um determinado momento, um dos prisioneiros consegue se libertar das correntes que o mantém longe do mundo exterior. Ao sair ele descobre que as sombras eram feitas por homens como ele. Caso o fugitivo decida voltar para revelar aos seus antigos companheiros a realidade, segundo Platão ele correrá o risco de ser ignorado ou morto. Em minha opinião, a verdade absoluta é perigosa no sentido de que a certeza de uma coisa, e a pré-disposição  por uma leitura dinâmica, muitas vezes impede que pessoas que não se conhecem travem debates construtivos na rede mundial de computadores. Alguns textos passam como sombras projetadas tremulamente na tela do micro, como as sombras da caverna de Platão. Nos dois casos, as pessoas vêm o que querem ver.
Tenho um exemplo oportuno: fui chamado de chato no Facebook porque questionei uma das inúmeras campanhas que chegam por aquela rede social. O pior de tudo é que eu nem estava discordando da tal campanha, apenas pedindo mais informações e tecendo comentários sobre alguns pontos de um boicote ao projeto de um deputado, que homenagearia Renato Russo, líder da banda brasiliense Legião Urbana. Jamais votaria no referido parlamentar, muitas vezes denunciado em casos de corrupção, mesmo assim fui taxado de puxa-saco só porque caí no “erro” de questionar os termos utilizados no tal boicote, em um assunto nem de tamanha relevância. Resultado: além de me chamar de chato e me mandar tomar no cu, finalmente o promotor da tal campanha me excluiu da lista de seus amigos virtuais. Talvez eu seja chato mesmo, mas melhor ser chato do que “populesco”. O que eu não curto eu não curto, mas respeito a opinião de quem curte. Pelo menos na maioria das vezes, é claro. Tem coisas que não dá para aguentar. Não sou nem tanto de ir pela sombra, nem burro de me jogar na fogueira. Reportando o fato, e mais uma vez entrelaçando comparações entre coisas distintas, faço coro com as palavras da banda paulista O Mito da Caverna, que tocará em setembro pela primeira vez em Brasília, acompanhada pelas bandas brasilienses Omfalos, Subterror e Soror. Ao abrir aspas para as palavras da banda paulista, ressalto que são palavras que caem como luva para ilustrar que a internet tem sido uma caverna de intolerância, luz inadequada para leitura mais atenta e recorrentes casos de má interpretação de textos. Vamos à transcrição Ipsis litteris, assinaladas com aplausos meus:

Certamente queremos dividir pensamentos com você, porém não temos a menor intenção de te agradar ou ser agradados por você. Não queremos de forma alguma forçar teatros de antipatia, menos ainda continuar a realizar a apatia.” Aplausos meus 1!

A banda reforça que o internauta deve estar “ciente de sua inclinação pelo grande (e por ora perdido) sentido da vida: Liberdade”. Cutucando quem não consegue lidar com pontos de vistas diferentes, o grupo Mito da Caverna diz ainda: “Esteja certo de que você não carrega consigo conceitos homofóbicos, direitistas ou inflexíveis de esquerda; de que não nutre patriotismos, xenofobia e juras a bandeiras de nenhuma espécie. Caso se encaixe em algum desses itens e, ainda assim, insistir em acessar-nos, que ao menos esteja aberto a debater racionalmente e sem ameaças e ofensas os seus pontos de vista.” Aplausos meus 2!

Tomaz André, www.zineoficial.com.br

Ah! A postagem dos comentários acima foi estimulada pela passagem da banda paulista O Mito da Caverna por Brasília. Foi a primeira apresentação da banda na Capital Federal. Para registro, deixo abaixo detalhes de todas as bandas que se apresentaram no evento, realizado a partir das 18 horas no dia 8 de setembro de 2012 , no Bar Raízes, na quadra 408 da Asa Norte, com ingressos a R$ 8,00.

Mais detalhes sobre as bandas do festival:

MITO DA CAVERNA (Funeral Doom - SP) www.myspace.com/omitodacaverna

O estilo da banda pode ser chamado de Funeral Doom ou Grindcore Morto, fica a seu critério. Pela primeira vez no DF, a banda aproveitará esse evento pra divulgar seus 2 últimos lançamentos. Um split com a banda Deaf Kids e seu primeiro full length que levará o nome de "Os condenados da terra". O mito da caverna conta atualmente com ex membros do Praia de vômito e membros do Massacre em alphaville e Narayama. Doom extremamente lento e perturbado, com influências de crust e um forte discurso político, certamente "O mito da caverna" irá te atingir de alguma forma. Euforia ou desespero.


OMFALOS (Black Metal/Grindcore - DF)
Grupo composto por 2 membros. Os mesmos, são responsáveis por toda elaboração do processo de composição. Thormianak (guitarras) e Misanthrope (vocais), uma diversidade sonora que procura mostrar os conflitos mais intensos na mente humana como depressão, insônia, síndrome claustrofóbica e do pânico, entre outras misturando recursos sonoros, visuais, Jodorowsky e Balão Mágico.



SUBTERROR (Crust - DF)
Formado em 2009, o Subterror tem fortes influências do crust anos 90 e stenchcore. Em suas letras, retratam o ser humano e suas adequações nulas e ganânciosas desde o início de sua existência. Agora em trio, a banda aproveitará o evento para divulgar o split 7" com a banda húngara “Do you think I care?”.


SOROR (DF) 

Sŏror, ōris, f. [Sanscr. svasar; Goth. svister; Germ. Schwester; Engl. sister; Port. irmã]. São 4 mulheres que criam a partir dos seus feminismos e se encontram na música. Será o primeiro show desse projeto, que mistura e incentiva o espírito do lema “faça-você-mesma”. 




terça-feira, 7 de agosto de 2012

AGOSTO CIGANO

E eis que, enfim, a comunidade roqueira de Taguatinga terá o privilégio de prestigiar toda a energia do hardcore profano, libertino e libertário da banda AMEAÇA CIGANA, que se apresentará na cidade pela primeira vez e, de quebra, virá para lançar o seu primeiro LP, um belíssimo split, ao lado da parceira Homem Elefante.

O vinilzão, prensado em 5 cores diferentes e produzido nos Estados Unidos, envolveu os selos RAW Records, Give Praise, Laja, Rock Mutante Rex e Karasu Killer em sua produção. A grande bolacha estará à venda no dia e os 10 sons contidos (incluindo o cover da Poison Idea) no lado da AMEAÇA CIGANA estarão presentes no set list, além, é claro, de outras músicas rápidas e dançantes do repertório desse quarteto cigano.

Junto à AMEAÇA, estarão outras quatro bandas, que são SUBTERROR, PODRERA, DEPENDÊNCIA PULMONAR e DEAD ZONE.

A abertura ficará a cargo da novata DEAD ZONE, banda formada por thrashers de Águas Lindas do Goiás e com passagens por bandas como Massacre Bestial e Slaver. O som é thrash-metal com muitos elementos hardcore, algo na linha da Nuclear Assault. Portanto, cheguem cedo, pois é uma apresentação que promete ser bastante concorrida. Na seqüência virá o hardcore curto, rápido e agressivo da DEPENDÊNCIA PULMONAR, quarteto cria da QNG (quebrada de Taguatinga), com fortes influências do hc candango, leia-se DFC, Galinha Preta e Innocent Kids. Sem tempo para respirar, a conhecida e queridíssima banda PODRERA, irá infernizar com seu crossover de metal e hardcore, fazendo o público cantar músicas que começam a se desenhar como clássicas do underground local, como, por exemplo, “Dinheiro é coisa do capeta” e “Todo evangélico tem um passado podre”.

A penúltima atração será a SUBTERROR, que já há quase um ano ataca como um power trio. O som é um hardcore pesado e apocalíptico, com fortes doses de crust, grind e death-metal. Em um espaço curto de tempo, certamente, essa será uma das maiores bandas do hardcore casca-grossa do Brasil.
Para ficar ainda melhor, o Agosto Cigano – Thrash Core Fest ainda terá o lançamento do livro do desenhista e tatuador Daniel, que também toca nas bandas Flashover e Warcurse. “Sketchbook”, o livro recém lançado, contém apenas algumas de suas tatuagens.

Ao lado do Daniel estará a loja Filial do Rock expondo algumas raridades em vinil. Para completar, os pagantes ainda concorrerão a sorteios de CDs do selo candango RAW Records.

O Agosto Cigano terá início às 20 horas do dia 24 de agosto de 2012, sexta-feira. A entrada terá o simbólico preço de 10 reais (que dará direito aos sorteios) e o local será a aconchegante casa AMERICA ROCK, em Taguatinga (Pistão Sul, em frente ao carrefour). Compareçam!

Fellipe CDC

terça-feira, 24 de julho de 2012

Maus agouros e uma galera de fé no rock...


Lembram do filme A Encruzilhada, no qual um bluesman americano faz pacto com o diabo para ter sucesso e se ferra depois, com a perseguição do tinhoso? Quem for religioso que faça suas preces, pois vou contar uma história real e intrigante, vivida no Planalto Central do Brasil... Hê, hê, hê, hê,  hê, hê,  hê, hê,  hê!

Curiosidade: A cruz próxima ao memorial JK marca o local 
da primeira missa  de Brasília. O monumento deu origem 
ao nome da cidade do Cruzeiro, de onde surgiu a banda 
Cruzbúrbio, por ser subúrbio da Capital.
Cleiber Mota toca violão e canta na banda Casa Velha, de blues. Ingressou também na  Senso Morto, de hard core, na função de vocalista. Passou ainda pela Os Containers, outra respeitada banda de hard core, na qual o amigo Marcos Barata continuou como cantor. Não lembro se foi um ou outro, Cleiber ou Marcos, quem perguntou se eu conhecia o Bené, caminhoneiro negro e grandalhão, adepto de costeletas imensas, estilo Elvis Presley, e de um corte de cabelo capacete, parecido ao do Jimmy Hendrix, mestre atemporal da guitarra. O dono da pergunta, sobre se eu conhecia Bené, se aproximou do caminhoneiro grandalhão em 2012, na cidade do Recanto das Emas, Distrito Federal, atraído pela canção O cão me persegue, de uma obscura banda oitentista brasiliense chamada Cruzbúrbio. Dessa banda ele nunca tinha ouvido falar, mas Bené disse que me conhecia antes mesmo de eu ter criado o Zine Oficial, revista de bolso dedicada ao rock do DF e do Entorno. Disse também que pelo site do Zine ele acompanhava as bandas da cena atual. Reza um velho ditado que águas passadas não movem moinhos. Outra pérola popular jura que água que passarinho não bebe faz mal. No entanto, algumas histórias, destiladas no ponto certo, servem de alerta para os ouvintes, ou leitores. Como pano de fundo, as lições são muitas, que cada um tire a sua. Tentarei dar um exemplo, ilustrando através da história da Cruzbúrbio, que o rock está mesmo incrustrado na alma candanga, passando por bandas de sucesso, mas também, e principalmente, por grupos que jamais priorizaram o estrelato, apenas curtir seu som, mesmo à pecha de maldito. Em caso de glória, tudo bem. Em caso contrário, amém.

Sábado, dia 21 de julho de 2012, fui surpreendido em um churrasco organizado para reunir uma galera das antigas. Nessa festa, o compadre Chicão assumiu o controle do aparelho de som e dedicou a mim uma música da banda Coma Alcoólico. Não, eu não tinha bebido demais! Chicão tocava bateria na Coma Alcoólico e eu curtia os shows pelo Cruzeiro, Taguatinga, Ceilândia, Sobradinho e onde quer que a banda fosse tocar, valendo-me da desculpa e da saúde que a idade permitia, sempre na manguaça, junto com os integrantes da Coma Alcoólico. No entanto, a gravação que Chicão colocou para rolar no dia do churrasco, anos após o fim da banda, não estava com a letra completa, que discorria sobre o fim trágico de vários ídolos do rock e da devoção de fãs, gerações após gerações. Vasculhei na internet e descobri outra gravação dessa música, chamada Vento dos Anos Sessenta, feita em 2007 e postada no Youtube. Também não se trata da versão original. A Coma Alcoólico começou a acabar no final dos anos 1990, com a saída do primeiro vocalista, Adalberto, o Dôba, que virou gerente de uma agência do Unibanco e já não podia manter-se bêbado, à altura do nome da banda.

Com o nome mudado para Cruzbúrbio, por ter surgido na cidade do Cruzeiro, subúrbio de Brasília, o grupo Coma Alcoólico resistiu com Tourão no vocal, principal letrista e talvez o mais perturbado pela cachaça, conseguida à custa de interas ou, segundo algumas lendas, de garrafas recolhidas em despachos de macumba, oferendas religiosas deixadas ao longo da via férrea após a estação Rodoferroviária, local não muito distante de sua residência, um apartamento funcional no Cruzeiro Novo. A última notícia que tive dele foi de que tentou explodir a casa para a qual se mudou, em Samambaia, amarrado a um botijão de gás. Não sei se isso foi verdade, mas também não duvido de nada. O gaitista da banda, apelidado de Careca, continuou andando pelos bares do Cruzeiro, jurando que se tornara professor de história e abandonado de vez suas pretensões musicais, mas sempre com a gaita a tiracolo. Que eu saiba nenhum amigo próximo questionou ou procurou certificar-se de seu possível rumo profissional, ou de sua vida longe dos bares e dos palcos. Em paralelo, anos após tornar-se caminhoneiro, o guitarrista Bené, afastado dos palcos, enfrentou uma contenda com o amigo Ticão, militante trotskista e fã da banda. O desentendimento não foi político, nem por causa da falta de shows. Surgiram divergências profissionais depois do arrendamento de um caminhão caçamba. Fui chamado para testemunha, não de Jeová, mas de um acordo amigável, pois a crise na associação entre os dois foi agravada por interferências da companheira de Bené, uma baixinha marrenta, da qual evito até falar o nome. Há relatos imprecisos de que ela, por ciúmes ou acidente, teria ateado fogo no Bené, usando como combustível uma garrafa de vodka. O incidente poderia ter deixado órfão um periquito criado pelo casal, ave  carinhosamente batizada como Elvis, singelo tributo ao eterno Rei do Rock.

O tio de Bené, João, era baixista da Coma Alcoólico e montou um estúdio em sua casa, em Taguatinga, para a banda ensaiar. Participei de muitos desses ensaios e minha função era buscar conhaque no bar da esquina, um estabelecimento sombrio, infestado de cabeças de alho para espantar mau olhado. Mandinga nenhuma, por outro lado, faria a Cruzbúrbio alcançar o sucesso. Não tinha jeito da banda dar certo, pois os integrantes priorizavam a farra ao invés da carreira. O tio de Bené saiu puto do grupo, queixando-se do investimento que tinha feito para montar o estúdio, já que o sobrinho e os companheiros não estavam levando a coisa a sério. Os ensaios mudaram para um condomínio próximo a Sobradinho, na casa do irmão do guitarrista base Jacaré, que trocou de função e passou a empunhar o baixo. Foi nesses ensaios que surgiu o grande hit Paula Vagabunda, homenagem a uma amiga e fã da banda. Paula adorava, sem pudor, a letra da música, na qual ela era descrita como uma groupie insaciável, insinuações as quais me reservo o direito de ficar calado.

Jacaré, por mais que parecesse estar sempre de brincadeira, era, junto com João, um dos caras que realmente levava a banda a sério. Chicão, cansado dos companheiros possessos por farras, largou as baquetas após seu casamento, sendo substituído por Júnior, irmão de Bené. Com a formação desfigurada, a Coma Alcoólico, rebatizada de vez como Cruzbúrbio, foi convidada, por conexão de forças ocultas, para tocar em uma festa junina na Igreja Nossa Senhora das Dores, no Cruzeiro Velho, por volta do ano 2000. As escadarias da mesma igreja testemunharam o começo da carreira de Renato Russo e Fê Lemos, com a lendária banda Aborto Elétrico, mais ou menos uns vinte anos antes. Os tempos eram outros e o padre também. O repertório recheado de mensagens nada cristãs fez com que banda Cruzbúrbio chocasse os fiéis. O administrador interino da pacata cidade do Cruzeiro, se não me engano o empresário Miguel Lunardi, subiu no palco gritando para que os caras parassem a apresentação: “Tá bom, tá bom!”. Jacaré olhou para o político e continuou a tocar, com a seguinte justificativa: “Se tá bom, vamos mandar outra!”. O padre, então, apelou para o poder que lhe cabia e mandou desligar a energia elétrica do equipamento, relegando o grupo musical à escuridão.

Sempre gostei daquela turma de roqueiros endiabrados, independente do nome, Cruzbúrbio ou Coma Alcoólico, por causa da espontaneidade e das formações inusitadas. Além de um caminhoneiro, um gerente de banco, um funcionário público dono de supermercado, um condutor de vans piratas, um funcionário do Jornal de Brasília, um policial militar, e um pesquisador de dados sociais, passaram também vagabundos assumidos pela banda e os atritos eram inevitáveis. Não lembro o nome de todos, mas garanto que era só gente boa.Tomara tenham se encaminhado, espalhados por diversas cidades do Distrito Federal.  Desencontros entre os integrantes acabaram selando o destino do grupo, mas o entusiasmo de quem ouve regravações de suas músicas, anos após os remanescentes nem tocarem mais ao vivo, me deixou feliz.  É bom saber que o rock de alma despretensiosa continua assombrando as quebradas por aí. Ainda mais com uma música tão apropriada, quanto O cão me persegue. Tenho, em minha mente torpe, a convicção de que os caras não fizeram sucesso não por falhas técnicas ou condutas politicamente incorretas nos palcos. Acho que foi praga do padre lá do Cruzeiro. Ou coisas das encruzilhadas da vida. 


(Tomaz André, www.zineoficial.com.br)


Curtam o link de O cão me persegue, da banda Cruzbúrbio, com participação de Bené (voz e guitarra), Jacaré (guitarra base) e Júnior (bateria)

terça-feira, 12 de junho de 2012

O Buraco era mais embaixo....


Página do Zine Oficial número 05,
publicação impressa de 2007.
Com satisfação, li uma nota publicada dia 11 de junho de 2012 no Espaço de Divulgação do Movimento Brasília Capital do Rock, uma página do FaceBoock. Na nota, o coordenador geral do Movimento e vocalista da banda Trampa, André Noblat, informa sobre decisões de uma reunião do grupo.

Abro aspas para um trecho da nota assinada por Noblat: “Reunião muito boa hoje (... ) reforçando, dia 24 (junho de 2012) ocupação no Buraco do Tatu, abaixo da rodoviária. Rebatizaremos o local como Buraco do Rock e começaremos a realizar uma série de ações por lá. Desde já, fazendo justiça a galera da produção, encabeçada pela Eli Moura que fala pouco e faz muito... e tá colocando a mão na massa e no bolso pra reunir a galera!”. Fecho aspas.

O motivo de minha satisfação ao ler a nota foi justamente o detalhe que fala sobre o Buraco do Rock, o que acho uma ótima iniciativa, principalmente pelo nome, apesar de não saber bem se é uma referência direta a uma ação histórica do primeiro Movimento de Rock organizado do Distrito Federal, a ACBRock, provavelmente a primeira associação do gênero no Brasil. O fato é que alguns integrantes da antiga Associação Cultural Brasiliense do Rock, estão participando do novo Movimento, não sei até que ponto influenciando, ou não, a escolha do nome para o novo local, já que o antigo Buraco era mais embaixo, a poucos metros do proposto agora.

Infelizmente, a nota do Movimento Brasília Capital do Rock não cita para conhecimento dos mais novos roqueiros do DF e Entorno que o Buraco do Rock Original era mais embaixo, na passarela de pedestres do antigo Touring. Fui a muitos shows no Buraco do Rock e testemunhei a luta da Associação na época. Na edição número 5 do Zine Oficial, publicada em 2007, relembrei com saudosismo a história que começou e terminou na década de 1990. No entanto, na ocasião também reportei falhas do velho espaço: “Com apoio de lojistas do CONIC, a ACBROCK cercou e pintou a passarela (próxima ao antigo Touring) a partir de 1996, promovendo eventos com bandas do DF e de outros estados, afastando toda antiga clientela (traficantes e usuários de drogas e  prostitutas), revitalizando o lugar. No entanto, sob justificativa do tombamento de Brasília, os roqueiros foram expulsos do BURACO. Ali deveria voltar a ser uma passagem subterrânea para pedestres, seguindo o planejamento urbanístico original de Lúcio Costa. Apesar de ter marcado época, ninguém vai ver de novo o Rock no BURACO (original). Ouvir, então, nem pensar. A acústica, pra falar a verdade, era bem ruim (...) o governo não pode é esquecer que o Rock também é patrimônio de Brasília, merece um espaço público de fácil acesso no Plano Piloto e mais incentivo para as bandas que estão começando”. Tomara que o Buraco Novo satisfaça aos desejos de todos nós roqueiros, no bom sentido e na interpretação que melhor se adequar ao prazer de cada um. Espero também que o governo atual e também os novos governos não resolvam foder com tudo novamente. Para isso, é importante a mobilização de, saudosistas ou novos entusiastas do rock candango.

Para que as novas gerações não façam confusão, decidi postar na íntegra a matéria na qual falo sobre o Buraco do Rock original, publicada no Zine Oficial número 5, em 2007, com título panfletário: “A Capital do Rock tem que cuidar do seu patrimônio”, em referência ao estilo musical que tanto contribuiu para a divulgação cultural de Brasília e cidades próximas.

  (Tomaz André)


Para ler as páginas do Zine Oficial 
número 05 com reportagem publica
]em 2007 sobre o Buraco do Rock original, 

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Esta postagem é para os fãs do Renato Russo!

Vi primeiro O Homem do Futuro, filme no qual o ator Wagner Moura dá pistas de que realmente é fã do cantor Renato Russo, com a repetição da música Tempo Perdido muitas vezes durante a história. Alguma coisa na atuação empolgada do ator me dizia que a sinergia não era somente por força da personagem. Pode até ser que um dia Wagner negue, qualquer que seja a bronca, mas que ele é fã de Renato na vida real ninguém me tira mais da cabeça. Passado algum tempo, depois da performance do ator em um show real com a Legião Urbana em 25 de maio de 2012, muitos fãs do cultuado vocalista da banda brasiliense criticaram a atuação de Moura no palco no lugar de Renato, falecido em 11 de outubro de 1996... Fã é fã, cada um quer ser mais fã que o outro. Porém, Wagner tem seus méritos como ator, cantor ocasional e também fã de Renato Russo, porque não?! Se não acreditam, vejam o link (mas vejam o filme VIP´S todo!) e depois "olhem no olho" da última personagem encarnada por Wagner Moura nessa surpreendente trama e digam se ele fala ou não a verdade! ... Se para os mais radicais não como cantor ou fã de rock, ao menos como um ator que merece palmas! 

(Tomaz André)

Se preferir digitar o seu navegador veja os endereços abaixo:


Link do filme VIP´S: http://www.youtube.com/watch?v=4zOql9lw3fg&feature=related
Link do filme O Homem do Futuro: http://www.youtube.com/watch?v=cMyeFp3j-ek




Agenda de shows de rock do DF e Entorno no site do Zine Oficial: www.zineoficial.com.br 

sábado, 9 de junho de 2012

Luz, câmera... Ação punk!


Em curta-metragem produzido no Distrito Federal, o veterano punk paulista Ariel Invasor, vocalista das bandas Invasores de Cérebros e Restos de Nada, dois pilares do punk rock brasileiro, faz papel de Carlos  Carlos Drummond de Andrade, em adaptação de crônica escrita pelo próprio Drummond: "João Brandão Adere ao Punk". A direção do curta é do punk brasiliense Sangue Ralo, baterista da banda Canibais e professor da rede pública de ensino. Nas filmagens figuram importantes nomes da cena punk candanga como, por exemplo, o cartunista Broba, ex-vocalista e letrista da banda Cegos, Surdos e Mudos. Para o papel da personagem João Brandão foi escolhida uma figura ímpar da contra-cultura do Distrito Federal, o poeta J. Pingo.


A personagem João Brandão ganhou vida pelas mãos de outro poeta, e também cronista, o mineiro Carlos Drummond de Andrade, que fez uma análise contundente sobre o movimento punk no Brasil. O texto de 1983 surpreendeu pelo entendimento demonstrado pelo autor sobre o assunto, sem o preconceito que muitos intelectuais e jornalistas imputavam ao movimento.

Drummond morou anos no Rio de Janeiro e de lá alavancou sua carreira. Após a morte, o escritor ganhou estátua na Cidade Maravilhosa e todas as pompas de cidadão carioca, sem jamais esquecer sua herança mineira, com especial atenção ao que ocorria na vida política e social do País. Com propriedade de quem conhecia o Rio e os modismos lançados a partir da metrópole, festiva para a burguesia e sede de uma mídia poderosa, o escritor alfinetou os  “moderninhos” com sua crônica “João Brandão Adere ao Punk”, publicada ainda sob o regime militar, no Jornal do Brasil. Na crônica, Drummond apresenta João Brandão, um estudioso de fenômenos sociais, modismos e frivolidades, que passa a se dedicar à pesquisa do punk. As conclusões da personagem ilustram um pouco os motivos pelos quais Carlos Drummond de Andrade merece estar no topo da lista de autores mais lúcidos da literatura nacional. Na fala de João Brandão, Drummond dá respostas a uma entrevista fictícia, que transcreverei a seguir, suprimindo as perguntas.

João Brandão diz: 
Ainda não cheguei a nenhuma conclusão, Mas suspeito que o punk veio atender às necessidades do País nesta conjuntura (...) Não me refiro, é claro, a modalidade do punk cultivado pelas classes alta e média da Zona Sul. Este é um punk de espírito e camisetas importados, jaqueta de couro valendo um punhado de dólares. É artigo de importação, que deve figurar na lista de produtos proibidos pelo Delfim (Nota: ex-ministro do Planejamento, no governo Figueiredo). Refiro-me ao outro, o de camiseta adquirida na rua Senhor dos Passos e rasgada. O moço não a rasgou para demonstrar maior identificação com o punk: ela está rasgada porque é velha e muito batida. Em suma, o punk pobre. (...) Faz muita diferença, porque o punk dos pobres, suburbano e sofrido, revela no seu despojamento, que para ser punk é necessário enfrentar uma barreira e abrir mão de toda a sociedade de consumo. Ao passo que o Leblon é consumista, no esquema clássico. (...) Não importa que a sociedade seria dos dois grupos e os tolere igualmente, enquanto a indústria fabrica objetos sofisticados para o uso do punk de salão. Importa é a atitude deles diante da vida. Um finge contestar, outro contesta mesmo.(...) Porque os punks malditos sabem que, passada a moda, eles terão de inventar outra forma de lazer que seja protesto, ou outra forma de protesto que seja lazer, ao passo que os ricos não estão ligando para isso, o futuro deles está garantido, na medida em que podem garantir alguma coisa no mercado de vida. Então eu simpatizo com o punk despojado, mau poeta e mau cantor, mas empolgado pela missão que se atribui, de destruir a ordem conservadora por meio da música, do grito, do gesto e do anarquismo primário.

Voltando aos meus comentários, a publicação da crônica “João Brandão Adere ao Punk” em 1983, no então poderoso Jornal do Brasil, ficaria distante para novos punks, aqueles que surgiram depois da moda a qual Drummond se referiu, se trechos não tivessem sido reproduzidos em diversos fanzines ao longo de anos. Depois de ler a crônica pela primeira vez, apresentada por um amigo engajado no movimento, fiquei a imaginar a personagem e o autor com imensos topetes moicanos, ou outro visual que identificasse os dois como punks.  O tempo passou rápido. Enquanto arquivei em um ponto obscuro as imagens que a leitura despertou em meu cérebro, uma turma do DF resolveu, mais uma vez, trazer João Brandão à luz... Luz, câmera e ação! Sob a direção do amigo Grilo, atualmente baterista da banda candanga Os Canibais, terminaram dia 09 de junho de 2012, sábado, as filmagens do Curta “João Brandão Adere ao Punk”, com trabalhos técnicos da produtora UP Filmes. Grilo assina a direção dos trabalhos como Sangue Ralo. Assina também o roteiro. No elenco, fazendo o papel de Carlos Drummond de Andrade, está o punk paulista Ariel, vocalista das bandas Restos de Nada e Invasores de Cérebros, dois pilares do punk nacional. O poeta e ativista cultural brasiliense J. Pingo também integra o elenco, fazendo o papel de João Brandão, personagem central da trama. Os figurantes do curta são conhecidos na cena punk candanga, entre os quais, integrantes das bandas The Insult, Mackacongs 2099, ARD, Marmitex S.A. e Canibais.

Juntamente com a banda brasiliense Galinha Preta e a paulista Invasores de Cérebros, todas as bandas citadas no parágrafo anterior participaram de um grande show a partir das 18 horas no Mercado Cultural Piloto, localizado no Jardim Botânico. Durante as apresentações foram captadas as cenas finais do curta “João Brandão Adere ao Punk”, baseado na crônica homônima de Drummond de Andrade. Quem compareceu pode se orgulhar no futuro de ser figurante desse filme histórico. A “cereja do bolo” da festa, no entanto, é a participação do cartunista candango Broba, morador da cidade de Ceilândia. Rai, como Broba também ficou conhecido no movimento punk do DF e Entorno, fez contribuição aleatória ao que foi escrito por Drummond. Com traço forte, o cartunista ilustrou com visão própria, e bastante apropriada, a crítica punk aos status quo. Além de animações de seus desenhos, inseridas na edição final do curta, Broba fez figuração como zelador do prédio de João Brandão, participando de todas as captações de imagem.

Para finalizar, devo dizer com angústia que jamais saberei de detalhes preciosos. Após conversar com o diretor Grilo Sangue Ralo na manhã que antecedeu a finalização do curta, tenho certeza que peculiaridades do filme “João Brandão Adere ao Punk” não estarão na edição final, mas nas lembranças de quem abraçou a causa. Foram feitas tomadas quarta-feira, dia 07 de junho de 2012 no centro comercial Conic e no Bar Beirute, redutos tradicionais da boemia maldita em Brasília, com boca livre e bebida à vontade em um banquete oferecido pelo dono do Beirute, o senhor Chiquinho, empolgado com o filme. Na quinta feira a equipe técnica e o elenco seguiram para novos trabalhos em locais onde permaneceriam fazendo filmagens também na sexta e no sábado. Esses locais foram o Mercado Cultural Piloto, espaço cultural localizado na Região Administrativa do Jardim Botânico, e ruas de São Sebastião, cidade próxima. Muita coisa deve ter rolado entre os deslocamentos do Jardim Botânico para São Sebastião, dois exemplos, cada qual com sua carga, de como nas cercanias de Brasília foram instalados núcleos habitacionais sem infraestrutura de saneamento ou serviços públicos, esquecidos anos a fio pelo governo. Repousa aí uma coincidência: O Rio de Janeiro, também conhecido como “A Cidade de São Sebastião”, foi de onde Carlos Drummond de Andrade disparou para todo Brasil as percepções da personagem João Brandão sobre o movimento punk e seu grito contra desigualdades sociais. Com as filmagens do curta dirigido por Grilo Sangue Ralo, a Cidade de São Sebastião, no Distrito Federal, e os condomínios com casas elegantes no Jardim Botânico, repaginam a obra de Carlos Drummond de Andrade, que se recusou entrar para a Academia Brasileira de Letras, de maneira que faria o autor aplaudir o filme com entusiasmo. A periferia de Brasília, com ilustres convidados de Goiás e São Paulo, invadiu a corte com punks verdadeiros, sem pedir licença.

Tomaz André ( www.zineoficial.com.br )

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Lobão, "filho da puta"!

Gosto de ler sobre política. Às vezes sinto vontade enorme de alienar-me, mas o uso do cachimbo faz a boca torta, não tem volta, o hábito desse tipo de leitura me persegue. Uma coisa, no entanto, que não costumo fazer são comentários sobre artistas que me irritam com suas falsidades ideológicas, justamente para não dar ibope à essas almas sebosas e também para não perder a linha, enchendo a internet de mais palavrões do que já tem. Só que nem sempre consigo me conter: o Lobão é um "filho da puta", com licença para uso figurado da expressão e sinceras desculpas a senhora sua mãe, que eu nem conheço nem nunca ouvir falar sobre. 

Navegando por entre páginas na internet, deparei-me com uma matéria publicada no site Pragmatismo Político, na qual davam notícias sobre o cantor carioca Lobão exaltar a ditadura brasileira e atacar representantes da esquerda nacional e latino-americana, entre as quais Che Guevara. A coisa não me espantou. Apesar do farsante ter posado de libertário durante o auge de sua carreira, Lobão sempre foi um bobão! E pensar que já prestigiei shows desse subversivo de meia tigela! As contradições do "figura" não vêm de agora, 2012. Comecei a ficar puto com o cara depois de uma apresentação no Brasília Music Festival, realizado no antigo Camping Show, no comecinho da década de 1990. A morte de Raul Seixas era recente ainda e a galera já começava a repetir o bordão "Toca Raul", lembrando que o último show de Raulzito tinha sido em Brasília, em 1989. Lobão parou a apresentação e gritou "defunto tem que ficar enterrado"... Até entendi o lado do cara, apesar da grosseria. Ele se irritou porque queria cantar músicas próprias... Passados alguns anos, veio a surpresa: Lobão participou de homenagem a Raul Seixas, interpretando a canção "O Rock do Diabo", no disco "O Baú do Raul", um DVD gravado em 2004 por vários artistas. Logo Lobão, que praguejou contra a memória de Raul. A coisa não parou por aí. Para aparecer mais ainda às custas do Maluco Beleza, artista que no começo dos anos 1990 foi citado por inveja como "um defunto que merecia ficar enterrado", o rebelde midiático Lobão ainda deu depoimentos dizendo que Raulzito fazia muita falta para o rock nacional, por representar a contestação inerente ao rock... "Filho da puta" de novo esse Lobão, um calhorda sem limites. Como se não bastassem incentivos a tanta falsidade, a Rede Globo ainda deu um prêmio ao cara, chamando o bobão para cantar algumas músicas e fazer papel do próprio Raul Seixas em uma edição do Som Brasil, que foi ao ar em 2007. Desse programa participaram também a cantora carioca Anna Luisa Ratto, o grupo matogrossense Vanguart e a banda brasiliense Móveis Coloniais de Acaju. Desses últimos eu não estou com raiva não... Peço desculpa aos fãs e a esses outros artistas, por citar seus nomes em um momento de fúria. Na verdade nem sempre me preocupo tanto em ser politicamente correto nas palavras ou posar de bonzinho para ir para o céu. Tanta educação pode vir de minha criação católica, herança de uma religiosidade que se foi. Escrevo essas linhas em pleno Corpus Chistie. O dia é santo, mas eu não. O Lobão, defendendo a ditadura, bem que merecia pau-de-arara. Felizmente os tempos são outros, a contragosto da velha fauna que ainda aflora e dos pensamentos inescrupulosos que me vieram à mente, com os comentários do bobão. Vejam só um trecho: "Hoje, dão indenização para quem sequestrou embaixadores e crucificam os torturadores que arrancaram umas unhazinhas”. 


Respirei fundo, mas não adiantou. Não consigo segurar o palavrão... Lobão é "filho da puta", evocando, mais uma vez, o uso figurado da expressão e reiterando  minhas sinceras desculpas à mãe do cantor, que eu não conheço nem nunca ouvir falar sobre. 



( Tomaz André, www.zineoficial.com.br )